segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O que é uma criança, por Beatrice Alemagna

Uma criança é uma pessoa muito pequena. Ela só é pequena por pouco tempo, depois se torna grande. Cresce sem perceber: devagarinho e em silêncio, seu corpo se encomprida. Uma criança não é uma criança para sempre. Ela se transforma.

As crianças têm pressa de crescer. “Algumas crianças crescem, parecem felizes e pensam: como é bom ser grande, livre, decidir tudo sozinha!” Outras crianças, quando se tornam adultas, pensam exatamente o contrário: “Como é chato ser grande, ser livre, decidir tudo sozinho!”

Crianças têm mãos pequenas, pés pequenos e olhos pequenos, mas nem por isso têm idéias pequenas. Às vezes as ideias das crianças são muito grandes, divertem os adultos que escancaram a boca e dizem: “- Ah!”

As crianças têm desejos estranhos: ter sapatos brilhantes, comer algodão doce no almoço, ouvir a mesma história todas as noites.

Gente grande também tem ideias estranhas na cabeça: tomar banho todos os dias, cozinhar feijão na manteiga, dormir sem cachorro amarelo. “Mas como pode ser?”, perguntam as crianças.

As crianças choram porque uma pedrinha caiu na água, porque o xampu faz arder os olhos, porque está com sono, porque está escuro. Choram alto, pra todo mundo ouvir.

Pra se consolar, elas só precisam de um olhar carinhoso. E de uma luzinha ao lado da cama.

Os adultos, por sua vez, gostam de dormir no escuro. Quase nunca choram, nem quando entra xampu no nariz. E, quando é o caso, choram baixinho. Tão baixinho, que as crianças nem reparam. Ou fingem que não estão vendo nada.

As crianças parecem esponja. Absorvem tudo: o nervosismo, os pensamentos ruins, os medos dos outros. Parecem esquecer, mas depois reaparece tudo dentro da pasta da escola, debaixo do lençol, ou até diante de um livro.

As crianças precisam ser observadas com olhar atento.

As crianças têm coisas pequenas como elas mesmas: uma cama pequena, pequenos livros coloridos, um guarda-chuva pequeno, uma cadeira pequena. Mas elas vivem num mundo muito grande, tão grande, tão grande, que as cidades não existem, os ônibus se erguem no espaço e as escadas não têm fim.

Algumas crianças, como se sabe, não gostam de ir à escola. Elas gostam de fechar os olhos e sentir o cheiro da grama, de sair correndo e gritando atrás dos pombos, de ouvir a voz distante dos caramujos, de franzir o nariz na frente do espelho.

Existem crianças de todos os tipos, de todas as cores, de todas as formas.

As crianças que resolvem não crescer, não crescem nunca.

Elas devem ter um mistério dentro de si. Então, mesmo depois de grandes, comovem-se com as coisas pequenas: um raio de sol ou um floco de neve.

Existem crianças baixinhas, gorduchas, caladas. Crianças de óculos, em cadeira de rodas. Crianças com aparelho nos dentes que brilha ao sol.

Existem crianças chatas, que nunca querem dormir, crianças mimadas que só fazem o que querem, crianças que às vezes quebram pratos, as vasilhas e tudo mais.

TODAS AS CRIANÇAS SÃO PESSOAS PEQUENAS QUE UM DIA VÃO MUDAR.

Vão deixar de ir à escola para ir ao trabalho, talvez sejam felizes, talvez tenham barba e bigode virado pra cima, ou cabelos pintados de verde. Talvez se zanguem por causa de coisas estranhas, como um telefone que não toca, ou o trânsito.

Mas por que pensar nisso agora?

Uma criança é uma pessoa pequena. Para adormecer, precisa de um olhar carinhoso. E de uma luzinha ao lado da cama.

Nenhum comentário:

Postar um comentário